Emigração e planejamento patrimonial

Emigração e planejamento patrimonial
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Em recente artigo publicado pelo Jornal Americano WSJ (Brazil’s Elite Flee Their paradise), o jornal destacou o número expressivo de brasileiros emigrando para outros países, atraídos pelas inúmeras oportunidades de emprego, segurança e estabilidade socioeconômica. Além disso, tem se tornado corriqueiro filhos deixarem o Brasil para estudar e acabarem permanecendo no exterior em vista de melhores oportunidades.

Os Estados Unidos ainda são a primeira opção de muitos brasileiros. Dados do Banco Central indicaram que os investimentos por brasileiros em imóveis no exterior quase dobraram de 2011 a 2017, sendo só nos EUA cerca de US$ 2,3 bilhões. Ademais, o número de vistos de investidor concedidos aos brasileiros em 2017 foi oito vezes maior do que nos dois anos precedentes.

Para os brasileiros que optam por emigrar para a Europa, Portugal é o país mais procurado, uma vez que oferece seguridade e benefícios fiscais ao novo residente. Dentre estes benefícios está a isenção de Imposto de Renda auferida no exterior, desde que atendidos certos requerimentos, pelo período de 10 anos.

Os efeitos desta migração e da mudança de domicílio fiscal podem acarretar consequências fiscais consideráveis

Entretanto, os efeitos desta migração e da mudança de domicílio fiscal podem acarretar consequências fiscais consideráveis caso não seja elaborado previamente um planejamento fiscal e sucessório. Isto porque, ainda que Portugal ofereça isenção de imposto por um período, este país, assim como os EUA, adota o princípio da universalidade de bens (worldwide income), ou seja, uma vez que o indivíduo torna-se residente, ele poderá ser tributado sob a renda e ativos auferidos e localizados no Brasil, bem como sob bens doados ou herdados.

Desta forma, a fim de reduzir a carga tributária, otimizar o controle do patrimônio, minimizar o conflito entre herdeiros, maximizar os resultados financeiros, permitir a intangibilidade dos ativos e evitar o oneroso e longo processo de inventário brasileiro, é de suma importância um eficiente planejamento patrimonial “pre-immigration”. De forma a lograr estes objetivos existe inúmeros instrumentos disponíveis no ordenamento jurídico internacional.

Um dos mecanismos mais eficientes é o trust. Os trusts proporcionam privacidade e proteção ao transferir os direitos sobre os ativos para uma entidade segregada do indivíduo, podendo este atuar como gestor do patrimônio da família em benefício de terceiros por prazo determinado ou indeterminado. Ademais, perante a lei americana, quando se transfere os ativos a um Trust antes de emigrar, estes ficam excluídos do inventário do autor e, portanto, não há incidência do imposto sob-herança.

Não obstante, é possível evitar o acesso de credores, cônjuges e possíveis herdeiros naturais através de cláusulas de blindagem para preservação do patrimônio, visando evitar que os bens possam ser expropriados ou que recaiam em excessiva carga tributável. O dinamismo e flexibilidade do trust permite que seja utilizado em casos concretos de diferentes formas, facilitando o planejamento fiscal com menos ônus tributário e acomodando as futuras alterações na situação patrimonial e de vida do titular da herança. Vale destacar que, ainda que esta figura jurídica não exista no ordenamento brasileiro, a Constituição Federal prevê a autonomia da vontade como um de seus princípios, facultando aos residentes brasileiros estabelecer relações legais com jurisdições internacionais, desde que não expressamente vedadas na legislação nacional.

Outro mecanismo eficiente é a holding estrangeira. Através desta é possível transferir bens brasileiros ou estrangeiros para a holding e assim evitar o trâmite no demorado e oneroso judiciário brasileiro. Neste caso, os bens a serem inventariados serão ações ou cotas da sociedade estrangeira e, perante a legislação atual, não compete ao Judiciário brasileiro regular sobre bens sediados fora do território nacional. Desta forma, o autor da herança não precisará aderir a sucessão legítima e estará isento de pagar o imposto de transmissão de herança por falta de lei complementar que regule a matéria. De fato, o STJ proferiu o entendimento de que um provimento judicial emanado do juízo brasileiro destinado a deliberar sobre imóvel situado no exterior além de se afigurar inexistente, não possui qualquer efeito em outro país, ainda que seja este o destinatário da “ordem” judicial.

O indivíduo que acumulou patrimônio pode assumir uma postura passiva em relação ao destino de seus ativos ou buscar, dentro dos limites da lei, proteger suas atividades e seus bens de modo a evitar cargas tributárias excessivas, caracterizadas muitas vezes como confiscatórias, e perpetuar sua herança de forma segura e simplificada aos herdeiros. Em virtude da nova era de “multijurisdictional families”, há a necessidade de um planejamento patrimonial e a utilização de instrumentos legais, que não desviados de seus objetivos, é indiscutivelmente de absoluta racionalidade. A estrutura a ser planejada deve ser elaborada de maneira individualizada, atendendo aos objetivos, situação financeira, contexto familiar e preferências do autor dos bens a fim de garantir a continuidade do patrimônio, reduzindo os custos, os litígios e a demora do processo de inventário sejam no Brasil ou no país de destino.

Natalie Geller é advogada em Nova York e no Brasil, LLM-NY e sócia do Melleh Law Firm & Associates, LLP

Por Natalie Geller

Fonte : Valor

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